(minha mão sobre uma ferida de L'Aquila, Abruzzo, Itália).
Graças
a Deus, em 31 anos de vida, vivi poucos momentos tristes. Talvez por
ter nascido em "...um país tropical, abençoado por Deus e bonito por
natureza" - como diz a música de Jorge Ben Jor. E uns desses poucos
momentos tristes vivi nos últimos três dias na Itália. Na quinta-feira,
deixei Milão de carro com os amigos italianos Ilenia Perlotti, Andrea
Mariani e Nicola Magri, em direção à L'Aquila,
cidade localizada em Abruzzo, próximo de Roma - brutalmente
ferida após um forte terremoto em Abril de 2009. Não me sinto
confortável em escrever sobre a tragédia aqui neste espaço, mas gostaria
de registrar o que senti ao visitar aquele lugar. Na
estrada, meus registros dos "céus" italianos na altura de
Bologna. Adoro olhar o céu. Eles sempre nos dizem alguma coisa...
<pausa>
...Dedico à L'Aquila a música "corra e olhe o céu", do mestre Cartola.
Em homenagem ao dia nacional do Samba, 02 de Dezembro.
"...Linda!
No que se apresenta,
o triste se ausenta; fez-se a alegria...
Vai... Corra e olhe e céu,
que o sol vem trazer...
Bom dia!"
Cartola
<pausa>
Depois
de 6 horas de estrada, chegamos em L'Aquila por volta das 20 horas.
Check in feito, hora de ir para a rua. Sabem como são os jovens...
Queremos diversão! Confesso que não estava achando nada divertido. A
energia é pesada. No caminho, muitas fotos de pessoas que morreram
naquela madrugada. Flores, recados presos em muros, objetos pessoais
junto às fotos... À noite, com a neblina, não dava para ter uma idéia
muito clara do cenário de guerra. Mas algumas coisas já saltavam aos
meus olhos: da rua, eu via os interiores dos apartamentos, absolutamente
sem paredes. Agora, mediunicamente falando (...para os que acreditam), é
tenso. Muito tenso. Não me senti bem. Mas depois de um tempo,
relaxamos, bebemos um vinho maravilhoso, matamos a fome com uma focaccia
deliciosa - A melhor que já comi na minha
vida!! A primeira noite até que foi divertida. Mal sabíamos o que vinha
pela frente.
A melhor focaccia que já comi na minha vida: prosciutto crudo + formaggio + carciofi. E a bela manhã em L'Aquila, com suas montanhas cobertas de neblina.
Na
manhã da sexta-feira tivemos oportunidade de entrar na chamada "zona
rossa" (zona vermelha) - grandes áreas interditadas. Ali tivemos noção da dimensão do estrago. Foram apenas 30
segundos para jogar ao chão séculos de história. O que mais me
impressionou foi que hoje, quase 3 anos após o abalo, o cenário é
ainda devastador. Não quero imaginar o que se viu e presenciou naquela
madrugada do dia 06 de abril de 2009. Igrejas centenárias humilhadas,
edifícios mutilados, feridos, abraçados por reforços metálicos, muletas -
A cidade tenta se manter em pé. E eu que não sou italiano me coloco no
lugar deles. Como deve doer ver o que é seu no chão. Poderia enquadrar a
mesma situação, por exemplo, à nossa cidade de Ouro Preto. Prefiro nem
imaginar! Ver tudo isso de perto nos faz pensar. Como somos passivos à
força da natureza; à vontade de Deus. Não que ele queira o mal, a dor.
Jamais! Acredito que tudo que acontece em nossas vidas, principalmente
as dificuldades, servem para nos mostrar que podemos superar, aprender,
renovar, seguir em frente - crescer.
Arquitetonicamente
falando, perdeu-se muito. Para os que não sabem, L'Aquila já sofreu
outros terremotos no passado de sua história, nos anos 400's e início
dos 700's. Pouquíssimos registros do período medieval restaram. Talvez o Castello seja o principal registro. O espaço urbano atual é fruto dos
700's até hoje. Na metade dos 800's, L'Aquila importou um modelo arquitetônico
piamontese de Torino: os chamados "pórticos", ou para nós,
brasileiros, os edifícios-galeria abertos, tão presentes na cidade - feridos. As
fontanas, elementos fortes do espaço urbano Aquilano também foram machucadas. Comparo o cenário urbano atual a um grande CTI hospitalar,
onde os prédios estão recebendo tratamento intensivo para, um dia,
voltarem a cumprir suas funções originais. Mas ainda vai levar muito tempo para que eles
fiquem de pé sozinhos novamente, firmes e fortes... E depois do tratamento intensivo,
muita "fisioterapia" para recuperar os "movimentos". Arquitetura, por mais sólida que seja, é uma coisa extremamente sensível.
Fragilidade: pórticos Aquilanos rachados, abraçados por estruturas metálicas.
Agora,
falamos até aqui pontualmente sobre os espaços. Mas e as pessoas, os Aquilanos? Uma cidade sem habitantes não é uma cidade! ...Eles estão tão mutilados quanto seus palácios.
Auto estima zero. Já pararam para pensar que uma criança que vive nesta
cidade hoje vai crescer nos próximos 20 anos em meio a este cenário?
Esta paisagem será o registro de sua memória infantil. E os
velhinhos? Vão se despedir da cidade amada em meio a este caos. E os jovens? Esses têm pressa. O espaço
urbano em que vivemos influencia muito em nossa personalidade. Dizem que os cariocas são mais felizes por terem o mar...
"...Lembra de mim, dos beijos que escrevi nos muros a giz, os mais bonitos continuam por lá, documentando que alguém foi feliz..." - Ivan Lins. E lá em L'Aquila não era diferente: "Arianna, sei l'amore mio! Ti amo!".
"Venham a L'Aquila. Venham ver o que faz mal à alma. Venham ver as pedras que falam, que sussurram, que gritam. Eram frontões, contraventamentos, embasamentos, capitéis". Chaves das casas penduradas pelas ruas da cidade.
...E
afinal de contas, o que eu fui fazer em L'Aquila? ...Turismo
sensalionalista?! Claro que não!! ...Trabalharemos neste próximo semestre em
intervenções (arquitetura+design) temporárias, que permitam
sobretudo a agregação das pessoas que vivem na cidade. Me senti um pouco
mal em um certo ponto, ao perceber que estava fazendo fotos "artísticas". Quando
me dava conta, era observado por algum morador que passava pela rua.
Para eles, ver esta movimentação é uma esperança de que algo vai mudar.
Confesso que me sinto impotente criativamente falando. A sensação que
tenho é que nada que possa ser criado irá resolver, e muito menos
amenizar a dor que essa cidade e pessoas sentem. Mas ao mesmo tempo eu me
sinto feliz, pois de certa forma, vou contribuir com a
minha arte para reerguer um pedaço desta cidade, como se o meu trabalho fosse um
pequeno tijolo assentado, dentre outros milhares que ainda faltam para que ela volte um dia a ser novamente L'Aquila.
No alto, meu croqui da praça do Duomo feito em Milano.
Na sequência, croquis de Nicola Magri... Idéias vêm surgindo.
Na
manhã de ontem, eu, Ilenia, Andrea e Nicola caminhamos sozinhos pelas
ruas silenciosas de L'Aquila sem os professores e amigos de curso. Às vezes, o silêncio era quebrado somente
pelas
badaladas do sino de uma Igreja, o que fazia do nosso percurso ainda
mais dramático. Entramos no carro de volta para Milão, mudos. Nas
câmeras, inúmeros registros. Nas cabeças, com certeza um misto de
tristeza, pena... Voltamos diferentes: disso eu não tenho dúvidas! Vamos ajudar
L'Aquila. Forza ragazzi!
"Vai... Corra e olha o céu, que o sol vem trazer... Bom dia!".
No detalhe, eu com apenas 2 anos de idade em São Lourenço, Brasil. Repeti a mesma pose, com 31 anos, na manhã de ontem em L'Aquila.
Contando que viverei em média 85 anos, quero voltar a L'Aquila daqui
a uns 50 anos, velhinho. Vou repetir a mesma pose mesmo se as pernas já
não aguentarem mais.
...E quero comer novamente aquela focaccia maravilhosa
e ver L'Aquila linda, de pé! Definitivamente: I love Italy.
(+ fonte fotos | arquivo pessoal)
...E quero comer novamente aquela focaccia maravilhosa
e ver L'Aquila linda, de pé! Definitivamente: I love Italy.
(+ fonte fotos | arquivo pessoal)
Existe uma relação direta com Teresópolis (RJ) e seu sofrimento. Parabéns pela sensível profundidade, emocionante sem ser piegas.
ResponderExcluirObs. Vc tbm desenha mto bem!
Ola, Felipe
ResponderExcluirSua experiência foi muito rica, e posso garantir que faz parte de um processo de amdurecimento em todas as suas produções. Entrar em contato com a dor, a alegria, a esperança e a gratidão, entre outros sentimentos, reforçam a direção que deverá tomar na sua profissão, uso do seu saber em benificio do outro,dos outros ou quem sabe da humanidade. Muita luz no seu caminho. Nelma
Felipe meu querido, sentei agora aqui para ler teu post, trabalhei muito nesse final de semana. Teus posts são sempre muito bem redigidos, uma delícia ler. Esse especialmente está belissimo e tua sensibilidade me atingiu muito, consegui sentir a tristeza e o pesar, tem momentos sem palavras nas nossas vidas, não entendemos, lamentamos, e crescemos, teus desenhos são lindos, parabéns pelas fotos, eu adoro olhar o céu também, com certeza ele diz muita coisa, bjos, uma ótima semana para você. Parabéns pelo post e obrigada por compartilhar, não tinha conhecimento dessa história.
ResponderExcluirFelipe, isso tudo é lamentável, triste sob o ponto de vista humano e arquitetônico...faz parte da nossa profissão vivenciar diversas emoções por conta do nosso profundo envolvimento com as pessoas, as vezes com comunidades inteiras...que bom, você tem o suporte emocional, humano/espiritual e profissional para ajudar...parabéns pelo post.
ResponderExcluirBjos e boa semana.
Sílvia
Felipe, o seu toque na ferida de L'Aquila toca-nos profundamente. Sensível e emocionante seu post. De uma beleza, compaixão e generosidade, ímpar.
ResponderExcluirQuero dizer-te que tudo pode ser recriado, não obstante sua formação que te permite entender os limites arquitetônicos e de recuperação digo a você sobre a força que move a humanidade, tudo pode e será recriado em L'Aquila.
Um beijo!
Sensacional seu texto!
ResponderExcluirAbraços
Mauricio
Obrigado a todos pelos comentários postados. Realmente viver L'Aquila por 3 dias foi uma experiência incrível.
ResponderExcluirLindo seu relato sobre o que viu e o que sentiu ao ver aquela cidade arrasada pela força da natureza!
ResponderExcluirTriste fato o ocorrido,mas é bom pensar que que "dias melhores virão".
Felipe, cheguei agora e acabei de ler seu relato sobre L'Aquila. Uma história triste sobre este lugar, que sobrevive a esta situação de catástrofe. Por tudo que descreveu, percebo a sua grande comoção e inquietação diante do sofrimento da cidade, e das pessoas. Acredito porém, que com a ajuda e força, principalmente jovem. L"Aquila poderá se reerguer e reencontrar a sua dignidade, bem como de seus habitantes.
ResponderExcluirSeu texto é comovente e muito sensível.
Quanto a foto, tenho certeza que será repetida.
Beijos!!
Felipe, há semanas tenho procurado por seu blog, como ainda estou montando (a passo de tartaruga) uma página dos blogs que eu quero sempre estar visitando, e o seu ainda não estava lá, somente agora consegui voltar aqui (seu blog agora já está na minha lista).
ResponderExcluirQue narrativa comovente sobre a tragédia de L'Aquila. Posso apenas imaginar as emoções envolvidas de sua visita a essa cidade. Deve ser algo muito difícil mesmo para os moradores desse lugar ver e viver tanta destruição.
Suas fotos estão ótimas também.
Um grande abraço.
ps.: você é de São Lourenço, Minas Gerais? Eu sou de Lavras, e na minha adolescência visitei muito São Lourenço e Caxambu :)